IRMÃ ROSÁLIA

 

 

A caridade material e a caridade moral, descritos pela Irmã Rosália. (Paris, 1860.)

"Amemo-nos uns aos outros e façamos aos outros o que quereríamos nos fizessem eles." Toda a religião, toda a moral se acham encerradas nestes dois preceitos. Se fossem observados nesse mundo, todos seríeis felizes; não mais aí ódios, nem ressentimentos. Direi ainda; não mais pobreza, porquanto, do supérfluo da mesa de cada rico, muitos pobres se alimentariam e não mais veríeis, nos quarteirões sombrios onde habitei durante a minha última encarnação, pobres mulheres arrastando consigo miseráveis crianças a quem tudo faltava.

Ricos! pensai nisto um pouco. Auxiliai os infelizes o melhor que puderdes. Dai, para que Deus, um dia, vos retribua o bem que houverdes feito, para que tenhais, ao sairdes do vosso invólucro terreno, um cortejo de Espíritos agradecidos, a receber-vos no limiar de um mundo mais ditoso.

Se pudésseis saber da alegria que experimentei ao encontrar no Além aqueles a quem, na minha última existência, me fora dado servir!...

Amai, portanto, o vosso próximo; amai-o como a vós mesmos, pois já sabeis, agora, que, repelindo um desgraçado, estareis, quiçá, afastando de vós um irmão, um pai, um amigo vosso de outrora. Se assim for, de que desespero não vos sentireis presa, ao reconhecê-lo no mundo dos Espíritos!

Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é a mais difícil de exercer-se. A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as criaturas e é o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele.

É um gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém com que vos recebem pessoas que, muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós, quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral.

Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais um Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa.

Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, e ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.
Lembrai-vos de que Jesus disse que todos somos irmãos e pensai sempre nisso, antes de repelirdes o leproso ou o mendigo. Adeus: pensai nos que sofrem e orai. Irmã Rosália. (Paris, 1860.)

Biografia

Rosalie 017 Poland Chelmno JPGIrmã Rosália foi uma figura importante de Paris no séc. XIX, amada e venerada por todo o povo humilde e pelos miseráveis do bairro Mouffetard. Jean Marie Rendu nasceu em 9 de setembro de 1786, em Confort (região de Gex, nos montes Urais), de uma família de cultivadores. Ela era a mais velha de quatro filhas e se viu rapidamente na obrigação de ajudar sua mãe quando seu pai desencarnou em 1796.

Com a Revolução instalada, a casa dos Rendu tornou-se o refúgio de um bispo e de padres refratários. Nesse clima religioso forjou-se a alma da pequena menina. Sua mãe a confia às Ursulinas de Gex. É no hospital dessa cidade que Jean Marie descobre as Irmãs (ou Filhas) da Caridade de São Vicente de Paulo, assim como as misérias humanas. Ela será marcada, por toda sua vida, por esta experiência. Desde então, ela aguardou ter a idade exigida para fazer sua entrada na ordem que tanto a seduziu. Ela chega, em 25 de maio de 1802, na Casa-Mãe das Filhas da Caridade, na rua do Vieux Colombier, em Paris, para fazer seu noviciato.

Foi enviada ao bairro Mouffetard, à época o mais miserável da capital francesa, para fazer seu aprendizado. Foi lá, em 1807, que pronunciou seus votos definitivos. Até sua morte, ela seria o apóstolo e a providência dessa comunidade.

Em 1815, tornou-se Superiora da Casa de Beneficência da rua da Espada de Madeira. Todas as qualidades de devotamento, de autoridade natural, de humildade e de compaixão, e sua capacidade de organização revelam-se nesse período. “Seus pobres”, como ela os chama, são muito numerosos nesta época atormentada. As ondas de um liberalismo econômico triunfante acentuam a miséria dos abandonados. Sua obra é imensa, sua notoriedade ganha rapidamente a capital e as cidades do interior. Ela envia suas irmãs a todos os recantos da paróquia Saint-Médard para levar alimentos, vestimentas, cuidados e palavras reconfortantes. Ela abre um dispensário, uma farmácia, uma escola, um orfanato, uma creche. Logo, toda uma rede de obras de caridade é estabelecida para combater a pobreza.

Irmã Rosália estende suas relações sociais mundanas para conseguir o dinheiro necessário. As “Damas da Caridade” a ajudam nas visitas domiciliares.

Não faltaram provas de seus testemunhos ao longo de sua vida. Citaremos os mais representativos:

  • Revoluções em 1830 e 1848;
  • Levantes populares parciais em 1832 e 1834;
  • A cólera os atinge por dois anos, em 1832 e 1848.

Podia-se ver Irmã Rosália nas barricadas para cuidar dos feridos, consolar os moribundos, pedir silêncio às armas, enfrentando o tiroteio.

No meio dos combates, quando pediam que ela se protegesse, responde: “Vocês acreditam que tenho vontade de viver quando massacram meus filhos?”

Ela salva os oficiais perseguidos pela multidão e esconde os rebeldes procurados pelas forças da ordem. Recebeu a Cruz da Legião de Honra, conferida por Napoleão III.

Em 7 de fevereiro de 1856, consumida pela doença e por uma vida sem repouso, ela morre em sua casa, na rua l’Epée-de-Bois. O dia de suas exéquias foi feriado em todo o bairro. Todos, pobres e ricos, compartilhavam a mesma emoção.

Seu processo de beatificação foi aberto em 1953 e concluído em 9 de novembro de 2003.